quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sobre unhas, cutículas e esmaltes


Nunca achei interessante essa coisa de pintar as unhas. É claro que ficam mais bonitas, mas para mim não faz sentido. Em primeiro lugar porque a pessoa ou vira escrava de salões de beleza ou tem que desenvolver técnicas quase contorcionistas que minha limitada coordenação motora não permite, para que consiga, enfim, fazer todos os movimentos com as duas mãos.
Além disso, fico muito preocupada com a esterilização dos alicates e pauzinhos de madeira. Todos os salões dizem que seguem as normas da Anvisa, que todas as clientes podem ficar tranqüilas, que é um lugar muito sério e respeitado, etc. Ok, continuo não acreditando. Quando olho um instrumento desses penso: e se eu soubesse que a última pessoa a ter suas cutículas retiradas por ele tivesse uma doença transmissível, eu confiaria no processo de limpeza e usaria mesmo assim?
Tudo bem, eu posso estar sendo paranoica demais, mas hoje em dia muias doenças são transmitidas assim, algumas hepatites por exemplo. E aquela aguinha nojenta para amolecer as unhas e peles? Não é à toa que muitas pessoas pegam micoses, vírus e bactérias até porque, no processo, estamos retirando uma importante barreira física à entrada de microorganismos: a cutícula. A vilã da maioria das mulheres é empurrada, raspada e extirpada em suculentos e dolorosos bifes pelas profissionais menos habilidosas.
E na hora de secar todo o cuidado é pouco para não bater em nada nem borrar o esmalte. Para se ter noção como estou por fora do assunto, meu esmalte preferido é o “misturinha”, que não é fabricado há séculos. Informo aos desavisados que atualmente o mais parecido é o “renda”. Cuidado também quando a unha está grande demais para não dobrar, quebrar e nem puxar fios de roupas. Já temos tantas preocupações e mais estas... Não suporto também o papo das manicures, cabeleireiras ou clientes, que só sabem falar de “notícias” das revistas Caras e das fofocas das pessoas do bairro que são atualizadas semanalmente.
Nunca aconteceu comigo, mas quando a unha cresce pode inflamar a pele ao lado e resultar na famosa unha encravada que tanto inferniza a vida das pacientes e dos médicos de plantão, que, por não saberem o fazer com aquilo, chamam os dermatologistas para resolver a questão. Parece que tem que botar um calço na unha para levantar um pouco da pele, mas isso, eu nunca aprendi direito.
O pior é que não faço as unhas por opção e ainda levo fama de roedora compulsiva. É claro que não digo isso para as pessoas, prefiro dar um motivo mais nobre, falar que é por causa do pandeiro que estou aprendendo a tocar e tenho de mantê-las sempre bem aparadas. É convincente e ainda saio com ar de pessoa cool. Gosto do original, do intocado e do imperfeito. Entre o saudável e o belo, fico com o primeiro e renuncio só um pouco do meu lado feminino.

A colombina desconhecida e o pierrot molhado


Foi num bloco que eu a conheci. Alta, morena, músculos tonificados na medida certa entre um bom amasso e um carinho sincero, olhos claros e confiantes, lábio inferior mais carnudo que o superior. Seu nome estrangeiro só aguçava ainda mais minha curiosidade e podia ficar ali conversando com ela horas apesar de todo o barulho que a bateria insistia em fazer. Eles tocavam muito bem, mas a música não passava de um ruído contínuo que escutávamos ao longe.
Apesar de ser cedo, ela estava muito animada, bebemos algumas cervejas, ela falava muito, gesticulava tão graciosamente que era difícil não notar seu charme. O toque, o cheiro, os cabelos, o sorriso, as gargalhadas. Se o humor é uma virtude de poucos, ela estava entre eles. Então, em alguns minutos, notava-se uma grande sintonia e me sentia como um peixe preso no anzol.
Foi quando começou a tocar o frevo do Caetano, que junto com a chuva fina que caía, fez todo mundo pular entre poças e guarda-chuvas, se abraçar e o inevitável aconteceu. Venha, veja, deixa, beija, seja o que Deus quiser! Um beijo cheio de desejo, vontade, delicadeza e carinho. Lábios que se querem, mãos que procuram e aquele frio na barriga. Não sentia isso há muito tempo, apesar dos últimos frustros romances.
Logo, pegamos o bonde para descer as ladeiras com alguma segurança, se é que isso é possível atualmente no Rio de Janeiro, e chegamos ao meu apartamento. Ao chegar, nada de cerimônias, como se nos conhecêssemos há anos, nos instalamos e começou a chuva de peças molhadas sobre o sofá, rede, cadeiras e chão. Seus poros jorravam uma sensualidade que eu absorvia a cada toque, a cada olhar. Minha mão, que já havia percorrido, seios, quadris e coxas, agora era enluvada por sua mucosa castanha, macia e doce. Movimentos inusitados, reações de prazer e sussurros ao pé do ouvido. Nossos quadris naquela coreografia ritmada eram um convite a nunca mais sair de dentro dela.
Era só o que eu lembrava quando acordei no início da noite e ela se arrumava para sair.
- Eu te ligo mais tarde, você é lindo, obrigada pela hospitalidade, foi tudo incrível.
Eu esperei até o dia seguinte e nada. Liguei algumas vezes, ela sempre simpática, com uma voz carinhosa, mas um pouco apressada e ocupada. Eu pensava nela o dia inteiro e eu realmente acreditava que aquela tarde significou alguma coisa para ela. Pobre pierrot! Para quem está apaixonado qualquer sorriso se transforma em declaração de amor.
- Hoje não posso, amanhã vou sair com amigos, depois eu não sei. Não está nada certo, mas tenho alguns compromissos também com minha família.
Cansada de cantar Não se perca de mim, não se esqueça de mim, não desapareça, hoje, quarta-feira de cinzas, jogo na fogueira do amor mais uma quase-paixão. E se ela me amasse? E se tivesse me ligado no dia seguinte conforme o combinado? E se demonstrasse um pouco do cuidado que dizia ter por mim? Aí, folião, não seria carnaval, e o pierrot molhado não teria perdido a cabeça e não teria se embolado com a colombina desconhecida que conheceu naquela manhã chuvosa.