sábado, 23 de julho de 2011
Eu?
Acordei às sete da manhã e pensei:- O que estou fazendo? Como vim parar aqui? Não me lembro de nada que aconteceu nas últimas horas. Será que alguém me trouxe para casa? Será que tem alguém aqui comigo? Levantei e comecei a procurar, não achei ninguém. Eu estava somente de calcinha, vestido jogado ao lado da cama que ainda estava feita. Pegadas negras me acompanham no chão por onde passo. Como não tinha ninguém e a chave estava na porta pelo lado de dentro concluí que fui eu mesma que tranquei.
Menos mal. Brincos e pulseira no lugar. Ouço um barulho de água e vejo minha bolsa no tanque sendo molhada pela água corrente. Gelei. Será que fui tão burra a esse ponto? Graças a Deus tive a idéia de tirar o celular e a carteira com dinheiro e documentos de dentro dela, que ainda estava bem suja de vômito apesar da rápida lavagem.
Minha cabeça pulsa tão forte que pode explodir a qualquer momento. Uma náusea desconcertante me impede de fazer qualquer coisa que tenha um sentido, só consigo deitar e tentar lembrar o que aconteceu. Meu pé dói e noto que, não sei como, estou com um caco de vidro cravado na sola esquerda. Era uma festa de casamento, estava muito feliz, dancei a noite inteira. Bebi cerveja no início da festa e depois, vodka. Já devia ter aprendido a não misturar as bebidas nas festas de adolescentes que freqüentei, mas, enfim, cá estou eu num estado deplorável.
Ele me não tirou os olhos de mim a festa inteira. Depois de um mal estar inicial, fiz questão de cumprimentá-lo pra quebrar logo o gelo. Rápida conversa e eu tentei não demonstrar que dava muita importância àquele encontro, afinal depois de tanto tempo e de tudo o que ele me falou... Mas, pela manhã estava gravada uma mensagem dele me pedindo para ligar quando acordasse. Achei simpático, afinal de contas, se preocupava comigo. Disse que cuidou muito de mim, me deu água e doce, que eu estava muito mal, e que só não fiquei pior porque ele tirou um copo de uísque da minha mão e me colocou num taxi. Não sem antes me beijar calorosamente e ouvir da minha boca que tinha saudades e que ainda o amava.
E eu falei: - Duvido que estivesse bebendo uísque, tenha te beijado e ainda mais falado tanta besteira! Você está inventando...
O que realmente aconteceu eu nunca vou saber, fico apenas com minhas suposições do que eu seria capaz de fazer, do que ele seria capaz de falar e do que nós ainda poderíamos sentir.
A máquina de fazer
Quem nunca citou, em algum momento da vida, a famosa Lei de Murphy? É a máxima que fala que “Se alguma coisa pode dar errado na vida, certamente dará”. Os mais religiosos alegam que “Deus escreve certo por linhas tortas”, os sambistas que “não sou eu quem me carrega, quem me carrega é o mar”, e há ainda os amantes da astronomia que dizem que “ o destino está nas estrelas”. Cada um à sua maneira de se conformar com um fato desagradável.
Foi mais ou menos o que aconteceu comigo neste final de semana prolongado. Programei a viagem com antecedência, comprei os ingressos, reservei pousada, tentei me informar sobre os assuntos e autores mais interessantes, mas não deu. Estive na FLIP de 2011 e perdi a melhor palestra, pelo menos a mais comentada. Não por causa da bela e esperada autora argentina, mas do calvo, sensível e simpático luso-angolano, Valter Hugo Mãe.
Já tentei procurar no site oficial, Google e youtube, mas nem sinal... Fico imaginando como deve ter sido para ele estar ali naquele palco. O frio europeu no paraíso tropical deve ter sido estranho, o casario colonial provavelmente aproximou ainda mais os laços com as terras tupiniquins, novas cores, sabores e ares para seus pulmões. Inspiração para escrever uma carta tão simples e verdadeira que tocou o coração de todos. Brasil e Angola, jovens irmãs de sangue, filhas de um Portugal idoso e um pouco esquecido. Amor de pai, amor de filhas e todos falam a mesma língua.
Confesso que achei meio piegas o fato de ter chorado no palco, falado que está querendo ser pai e que escreve apenas com minúsculas, em uma pontuação particular. Mas entendo que todos somos frágeis, cafonas, emotivos e ao mesmo tempo corajosos. Que acompanhar novelas também é hábito de escritores famosos, que todos criamos fantasias sobre lugares e pessoas, que todos temos um amor de infância que não sai da cabeça não importa quanto tempo passe, que podemos sentir amor por um filho que ainda nem foi concebido, que nem todas as músicas que gostamos de escutar são de bom gosto, mas que nada disso importa e ao mesmo tempo tudo isso é essencial para a nossa identidade. Da imperfeição vem a humildade, e da realização, as lágrimas.
Certamente, ele já deve ter encontrado a mãe ou, considerando o fogo da mulher brasileira, mães para seus filhos, vendido muitos livros pelo país, ganhado fama de pop star, cansado do assédio dos fãs e da agenda lotada de compromissos e entrevistas. Sua vida não será mais a mesma depois daquelas ruas irregulares, não de conhecidas pedras portuguesas mas de calçamento pé-de-moleque, horizontes verdes e azuis e do sol brilhante da principal festa literária brasileira. Eu ainda não entendi a razão porque não fui àquela mesa na sexta-feira, talvez a encontre lendo seus livros, óleo otimista para a máquina de fazer sentimentos.
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