quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Pequenas coisas
Sou igual a todas as mulheres. Gosto das pequenas coisas, dos detalhes mais inúteis e discretos, dos ciscos despercebidos. Meu ex-marido não entendia isso. Não que tivesse salvado a relação, mas talvez uma máscara de dormir tivesse evitado algumas das nossas discussões, onde brigávamos pelas cortinas, eu querendo o escuro e ele, a brisa da manhã.
Gosto geralmente dos meninos que fazem sucesso com todas e é claro que essas relações nunca dão certo, porque ou eles são comprometidos ou galinhas ou os dois. Esse fim-de-semana fui num festival de jazz bem legal. Acho incrível como o mesmo padrão se repete em todas as bandas. O cara da percussão me encanta com todos os ritmos, instrumentos e afro-sex-appel. O da guitarra é sempre exagerado, espalhafatoso, histriônico, o famoso sem-noção. O do baixo, discreto, sério, compenetrado, de uma timidez intrigante.
Sou carente e ciumenta. Acho que nossa constante idéia fixa é de que não nos dão nosso devido valor. Seria uma conseqüência de séculos e séculos de opressão? Não gosto de receber ordem nem cobrança. Quero que escutem minha opinião e a levem em consideração. Quero que se interessem por mim, que me descubram literal e praticamente.
Tenho um fetiche muito comum: professores. Desejo a pessoa pelo que ela sabe, pelo que poderia aprender com ela. E isso me persegue desde o primeiro grau. Seria uma forma de compensar minha ansiedade e insegurança? Pois bem, nem pra isso sou criativa.
Desde criança tenho as coleções mais diversas. Uma das mais estranhas é a minha coleção de pedras. Minha mãe nunca entendeu por que eu colecionava aquilo, além de dar muito trabalho a ela na hora das mudanças e arrumações. Mas elas eram especiais para mim, cada uma com sua história, desenho, material, ranhuras. Valorizo as ranhuras.
Gosto de almofadas. Quer coisa mais inútil e comum que almofadas? Pois é, preciso de almofadas. Preciso por que gosto e pronto, não tenho que me justificar. Cada um com seu gosto, uns tem quatro bicicletas, outros três câmeras fotográficas, outros, dois computadores.
Parte do corpo favorita? Antebraço. Dá pra identificarmos a personalidade pelo formato dos ossos e musculatura. A virilidade pode-se perceber indiretamente pelos pêlos estimulados pela testosterona. Analiso as articulações... Tenho um cisto no meu punho. Acho que é no tendão do músculo do polegar. Isso diz muita coisa de mim, revela que sou frágil sob pressão, se fizer força e mau jeito ele incha e dói muito. Sofro de um problema de junta, de conexão, de mau contato, tá explicado.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Motamorfose autofágica
Sou feita de pena e sangue, delicadeza e dor. Minha beleza não é comum. Me chamam de meiga, mas posso ser cruel. Nunca levantei nenhuma suspeita desse meu outro lado, nunca errei. E você me quer assim, singela, doce e perfeita. Porém, estou enjoada de mim, me quero ácida, me quero farta, me quero toda. A coragem que me move é grande e inevitável.
E, por isso, a metamorfose, que pode não ser completa, mas está em andamento. Me visto de mim, meu recheio sou eu. O que sou capaz de fazer? Há quem duvide. Beijar você, ela, ele, arrastar todos comigo. Te magôo, me magôo e ninguém compreende. Me entrego em seus braços e gozo. Mais de uma vez, lindamente. Vivo dez anos em uma semana e rejuvenesço. Experimento o que é bom e desconhecido.
Como quem se delicia com o fruto proibido, vou comendo lentamente pedaço por pedaço de meu corpo amorfo. E, rapidamente, sem que nem eu mesma perceba, ele renasce para me servir de alimento mais uma vez. Autofagia transformadora ao som dos grunhidos de horror. Sou eterna e tenho um novo rosto. Meus olhos vermelhos de mar te chamam.
Dance comigo esse Lago dos Cisnes, onde a morte é o caminho da liberdade. Segure minha mão bem forte porque a vida é curta e o sofrimento é grande. Não lamente a perda ocorrida, pois ela tinha que acontecer. Meu ventre agora sangra, e, em teus lábios surpresos, renasço forte e certa de que fiz o meu melhor.
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