sábado, 23 de julho de 2011

A máquina de fazer


Quem nunca citou, em algum momento da vida, a famosa Lei de Murphy? É a máxima que fala que “Se alguma coisa pode dar errado na vida, certamente dará”. Os mais religiosos alegam que “Deus escreve certo por linhas tortas”, os sambistas que “não sou eu quem me carrega, quem me carrega é o mar”, e há ainda os amantes da astronomia que dizem que “ o destino está nas estrelas”. Cada um à sua maneira de se conformar com um fato desagradável.
Foi mais ou menos o que aconteceu comigo neste final de semana prolongado. Programei a viagem com antecedência, comprei os ingressos, reservei pousada, tentei me informar sobre os assuntos e autores mais interessantes, mas não deu. Estive na FLIP de 2011 e perdi a melhor palestra, pelo menos a mais comentada. Não por causa da bela e esperada autora argentina, mas do calvo, sensível e simpático luso-angolano, Valter Hugo Mãe.
Já tentei procurar no site oficial, Google e youtube, mas nem sinal... Fico imaginando como deve ter sido para ele estar ali naquele palco. O frio europeu no paraíso tropical deve ter sido estranho, o casario colonial provavelmente aproximou ainda mais os laços com as terras tupiniquins, novas cores, sabores e ares para seus pulmões. Inspiração para escrever uma carta tão simples e verdadeira que tocou o coração de todos. Brasil e Angola, jovens irmãs de sangue, filhas de um Portugal idoso e um pouco esquecido. Amor de pai, amor de filhas e todos falam a mesma língua.
Confesso que achei meio piegas o fato de ter chorado no palco, falado que está querendo ser pai e que escreve apenas com minúsculas, em uma pontuação particular. Mas entendo que todos somos frágeis, cafonas, emotivos e ao mesmo tempo corajosos. Que acompanhar novelas também é hábito de escritores famosos, que todos criamos fantasias sobre lugares e pessoas, que todos temos um amor de infância que não sai da cabeça não importa quanto tempo passe, que podemos sentir amor por um filho que ainda nem foi concebido, que nem todas as músicas que gostamos de escutar são de bom gosto, mas que nada disso importa e ao mesmo tempo tudo isso é essencial para a nossa identidade. Da imperfeição vem a humildade, e da realização, as lágrimas.
Certamente, ele já deve ter encontrado a mãe ou, considerando o fogo da mulher brasileira, mães para seus filhos, vendido muitos livros pelo país, ganhado fama de pop star, cansado do assédio dos fãs e da agenda lotada de compromissos e entrevistas. Sua vida não será mais a mesma depois daquelas ruas irregulares, não de conhecidas pedras portuguesas mas de calçamento pé-de-moleque, horizontes verdes e azuis e do sol brilhante da principal festa literária brasileira. Eu ainda não entendi a razão porque não fui àquela mesa na sexta-feira, talvez a encontre lendo seus livros, óleo otimista para a máquina de fazer sentimentos.

2 comentários:

  1. Oi Dani, vc também tem um blog? Legal! Adorei essa crônica! Estou no finzinho d'A máquina de fazer espanhóis, que é um livro é mais do que maravilhoso, um livro sobre tudo, ali tem vida, morte, Deus, o envelhecimento, romance, amizade, família, humor, política, costumes, é fantástico. E essa sua crônica me faz lembrar aqueles ótimos dias em Paraty, já ansiando pela FLIP do ano que vem!

    ResponderExcluir
  2. Dani,
    Já te falei que o melhor presente que ganhei de aniversario foi o livro do Valter que vc me deu. Adorei, me emocionei muito. Me chamou atençao a semelhança com os textos do Saramago. Agora estou lendo O Remorso de Baltazar Serapiao, comecei recentemente. A cronica esta otima, o blog e lindo. Continue! beijos, Julia

    ResponderExcluir