quarta-feira, 21 de março de 2012
Essa noite não
Larissa começou a perceber que alguma coisa não estava bem quando notava um tédio semanal ao deixar o trabalho no início da noite sexta-feira. Apesar do cansaço, preferia estar novamente começando a semana, quando já tinha sua agenda cheia de compromissos, logo, não precisava pensar no que fazer. Então ela teria pouco mais de 48 longas horas para desfrutar da companhia de seu noivo Antônio.
Ela, exímia dançarina, antes de conhecê-lo era facilmente encontrada em salões de gafieira e rodas de samba. No carnaval então se perdia numa infinidade de blocos que a cada ano se expandia na Zona Sul do Rio de Janeiro. Por ironia do destino foi se apaixonar logo por Antônio, rapaz bem afeiçoado e muito comunicativo que conhecera no escritório.
Ele gostava muito de música também, mas tinha lá suas peculiaridades. Não reconhecia direitos autorais, por isso, quando queria alguma música, baixava da internet a discografia dos seus grupos favoritos. Seu desktop era abarrotado de todos os estilos musicais possíveis. Não entendia por que a moça vez em quando vinha com a idéia descabida de sair para uma festa ou show, se tinha a obra completa do artista à sua disposição! Por definição era um amante da música indoor, e se orgulhava disso. Apesar do grande arquivo, buscava incessantemente músicos desconhecidos e ritmo pouco usuais, como se feitos exclusivamente para ele, e que por conseqüência, só a ele agradavam.
Pois bem, a questão é que não só queria exclusividade nas músicas, mas também no pensamento de Larissa, já que no coração já sabia ser o único proprietário. Trabalhavam juntos, passavam quase todas as noites juntos, viajavam juntos, mas ele parecia nunca estar satisfeito. Discutiam quando Larissa atendia ligações de amigas na frente dele e também quando saía com amigos da faculdade sem avisar.
Não gostava da maioria dos seus amigos, muito infantis e perdidos, não sabiam nada da vida, como ele, um advogado experiente. Os aniversários se transformavam em torturas pois oscilavam entre o estado de mudez constante ou a implicâncias injustas e constrangedoras. O casal mês a mês ia se isolando e criando seus próprios rituais. Finais de semana se resumiam a cinema e barzinho, nesta ordem ou ao contrário. Praia era evento raro e tinha de ser no ponto mais deserto para que não corresse o risco de encontrar algum conhecido para conversar. Antônio buscava ter cem por cento da atenção de Larissa, não era exatamente medo de perdê-la, pois isso sabia que nunca aconteceria, mas era como se estivesse na busca eterna de preencher o enorme vazio do seu peito.
E ela, o que faria com o vazio do seu próprio peito? Aos poucos foi descobrindo que ela também tinha o seu e que Antônio, com todas as suas teorias de mundo e inflexibilidades não daria conta de suprir. Na verdade, não conseguiria reunir todos os cacos de suas inseguranças, desejos e frustrações e jogá-los no colo de ninguém. Ela mesma teria de reciclar aquele material precioso transformando-o em alguma coisa sua e bela.
Mas não essa noite. Ela estaciona o carro, ajeita o cabelo e vestido, aperta o botão do S101, desce as escadas escuras com cuidado carregando a mala do final-de-semana e espera gentilmente que ele abra a porta de madeira. Ele destranca a porta, a deixa entreaberta, e volta rapidamente para o computador.
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