quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Hamster não é rato


Pedro é um garoto de oito anos que tem as pernas magras, a voz fina e gosta de jogar futebol com os amigos no campinho atrás da sua casa. Como todos na sua idade, é um pouco resistente a higienes, travando sempre discussões com sua mãe para tomar banho e cortar as unhas e cabelos. Mora em uma casa confortável com seus pais e não tem irmãos.
A maioria de seus amigos estuda na mesma escola que ele, e sempre se encontram na hora do recreio. Não gostam muito das garotas, que passam o tempo todo fofocando pelos cantos e ouvindo alguma música boba da moda. Um belo dia, vindo transferida de outra cidade, entrou na sua sala Mariana, a menina que reinaria por toda a sua infância. Ficava encantado com seu corpo quase formado, seu jeito adulto de falar e sua energia de viver. Mariana sempre trazia novidades, principalmente às segundas-feiras.
A última delas foi seu novo bichinho de estimação, um hamster, que comprara da Feira de filhotes. Ela disse que depois da morte trágica do pintinho no ano passado, muito traumática para sua irmã mais nova Julia, ela tinha escolhido um animal que ficasse contido em um ambiente, e que o pequeno roedor era ideal. Como ela se divertia com ele! Esclareceu que seus dentes cresciam constantemente e precisava estar sempre roendo alguma coisa para evitar que crescessem demais. Contava que dava a ele uma dieta especial, não só com ração e água, mas frutas frescas, castanhas e vegetais. Esse era o segredo do Bolinha, que tinha energia para correr rapidinho naquele cilindro e que gostava de brincar de recompensas, aprendendo vários truques legais. Era realmente muito esperto o Bolinha, e às vezes ela até o tirava da gaiola para lhe fazer um chamego na barriga.
Pedro voltava para casa com todas aquelas histórias na cabeça, imaginando Mariana e Bolinha brincando. Pensava que ele também queria ter um bichinho que lhe fizesse companhia, afinal de contas seus pais trabalhavam muito e ele, por vezes, se sentia só. Um dia Pedro estava mexendo nos entulhos da casa dos fundos, que funcionava como depósito, procurando sua bicicleta meio enferrujada que tinha encostado em algum lugar, quando viu um movimento numa pilha de jornais velhos. Aproximou-se, afastou algumas caixas que estavam perto e viu um hamster bem parecido com a descrição de Mariana, só que cinza e um pouco maior.
A surpresa foi maior que o medo e ele simpatizou com o bichano. Lembrou-se da dieta recomendada pela amiga. Diferente de Mariana, Pedro criava seu hamster livremente pois sabia que sempre encontraria o amigo por ali quando o procurasse. Fez alguns brinquedos com panos e pedaços de madeira e se divertia vendo que ele fazia barulhos como se quisesse mesmo agradecer o carinho do menino.
Um dia quis fazer uma surpresa para Mariana e mostrar seu hamster a ela. Pediu ajuda ao pai para deixar o cabelo um pouco mais bonito, como se tivesse acabado de sair do banho. O pai sugeriu que passasse o mesmo gel que ele, que deixa o cabelo arrumado o dia inteiro. Perguntou aonde o menino ia e ele espondeu que ia na casa de uma amiga da escola. O pai riu e lhe deu um tapinha nas costas, esse é o meu filhão.
Às cinco horas da tarde da sábado, ele tocou a campainha de Mariana com uma caixa de sapatos embaixo do braço. Quem abriu a porta foi a sorridente Julinha, que logo foi chamar a irmã. Mariana demorou uns dez minutos para chegar, não disfarçou a surpresa de ver Pedro ali na sua sala e não conseguia desviar o olhar de seu cabelo. Tem alguma coisa diferente com você, Pedro. O que houve com seu cabelo? Ah, sim, passei gel, meu pai falou que deixa mais arrumado, gostou? Não sei, está estranho, meio duro... E essa caixa, o que é?
Então, vim te mostrar meu hamster. Eu não sabia que você tinha hamster também. Nunca falou nada... É que tem poucas semanas que o encontrei na minha casa. Você encontrou um hamster na sua casa? Que estranho. E qual o nome? Chamo de Chico, e pelo visto ele gosta de comer as mesmas coisas que o Bolinha, só que ele é um pouco maior e é cinza. Olha que lindo.
Ah, que horror! Não acredito que você teve coragem de trazer um rato pra minha casa!!! Calma, Mariana, o Chico é um hamster diferente, só isso. Isso não é um hamster, é um rato, e hamster não é rato! Você é muito nojento mesmo, Pedro, você cria um rato em casa que pode te passar doenças, que anda no lixo, nos esgotos, eca! Você não sabe o que é um hamster, eles são branquinhos, limpos, criados em cativeiros e dóceis, e não esse monstro peludo. Vai embora daqui agora mesmo, não quero nunca mais falar com você.
Pedro desceu as escadas desolado, com lágrimas nas bochechas, ainda sem entender a reação de Mariana. Só porque ela tinha comprado o hamster dela de cativeiro, achava que o dela era melhor que o seu? Não é justo tratar os animais assim, ainda mais o Chico que ela nem conhecia direito. Não gostou do jeito como ela falou, como se ele não soubesse das coisas. Lembrou de uma conversa que teve uma vez com seu pai. Ele falava que as mulheres eram muito difíceis de agradar, ficavam nervosas com facilidade, que geralmente complicavam as situações, que os homens eram mais práticos, que era preciso ter paciência, e que ele entenderia isso com o tempo. Seu pai tinha mesmo razão e agora o que ele queria era esquecer essa história estúpida de hamster e rato, e que ainda dava tempo de encontrar o pessoal para uma pelada no fim da tarde. Voltou para casa com Chico, calado, cabisbaixo e dando pontapés no vento.

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