sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Voando alto


Paula tem trinta e cinco anos, já passou por alguns namoros complicados, incluindo um usuário de drogas ilícitas, um rapaz que sofria de ciúme patológico, outro extremamente egocêntrico e seu último relacionamento foi um noivado desfeito dois meses antes do casório. A união seria com um freqüentador da Igreja Assembléia de Deus, de quem escondia seus relacionamentos anteriores, mas que mesmo assim insistia em rotulá-la de pecadora, transgressora e imoral.
Sua família e amigos lhe deram suporte, dizendo que ele não era homem pra ela, que fora melhor assim, que a separação é sempre um processo sofrido, mas ainda bem que no seu caso foi precoce, que ela rapidamente encontraria alguém com quem dividir a verdadeira felicidade.
Em suas férias, Paula organizou uma “viagem de meninas” com duas amigas bem próximas. Durante a viagem iriam encontrar outras que já estavam pela Europa e iam se juntar ao time das solteiras. Estabeleceram o itinerário, compraram passagens aéreas em uma combinação um pouco estranha para conseguir um preço melhor, reservaram albergues pela internet e tiveram noites e noites regadas a Champagne, gargalhadas e pop music, com direito ao clássico “Girls Just wanna have fun” da Cyndi Lauper. Foi nesse clima de total desapego e aventura que fizeram as malas e chegaram no início da noite ao Galeão.
Estavam ansiosas com o vôo, com o frio em Paris, com programas, museus e compras. Não paravam de falar e mostrar reportagens de revistas e guias de viagem que pegaram emprestados na véspera com amigos. Viajar em grupo é complexo, e com elas não foi diferente, porque enquanto uma queria ir ao banheiro, a outra comprava um lanche e Paula não podia deixar de passar no Free Shop pra garantir o Make-up importado.
Entraram no avião, seus lugares eram juntos, sendo que a fileira era de quatro, e a poltrona do corredor ficou vaga. Pouco tempo depois chega João e mais dois amigos, que iam também passear na Cidade Luz. Os amigos ficaram do outro lado do corredor e o lugar de João fora estrategicamente escolhido já que era de mais fácil movimentação. Ele tinha medo de avião e havia tomado uma superdosagem de Rivotril® para aceitar a viagem. Suas mãos suavam frio, o coração estava na boca e quando as portas da aeronave foram fechadas e acenderam os sinais de apertar os cintos, ele, que tinha falado um tímido “boa noite”, agarrou o braço de Paula com força contra seu peito, fechou os olhos trêmulos e emudeceu.
Ela não sabia o que fazer, perguntou algumas vezes o que estava acontecendo, mas não teve resposta. Chamou a aeromoça, mas ela estava ocupada assim como o resto da tripulação. Paula, então tentou parecer normal, puxou conversa com os amigos de João, que foram simpáticos e a tranquilizaram dizendo que não se preocupasse, que esse comportamento era normal e que já já passava. Realmente foi isso que se sucedeu, e depois de alguns minutos de vôo, conseguiu reaver seu braço um pouco dolorido com um sorriso amarelo, mas com brilho nos olhos. Está melhor?
Olha, mil desculpas pelo meu comportamento. Por favor não fique assustada, é que tenho pânico de avião e você não imagina o esforço que é para mim fazer uma viagem como essa. Me chamo João, prazer. Paula não sabia o que exatamente fixava seu olhar, se eram os olhos negros rasgados ou o jeito doce como se explicava e se abria, contando suas fraquezas para uma estranha.
Imagina... entendo perfeitamente, é que tomei um susto mesmo. Que bom que está melhor agora. Tenho problema principalmente com pousos e decolagens. É claro que se ficasse pensando no avião o tempo inteiro não iria melhorar, mas acho que temos assuntos mais interessantes pra falar, não acha? Ah, claro que sim. Você é do Rio? Estou notando um sotaque estranho? Não, sou de Juiz de Fora, mas meus amigos são cariocas. Eu já conheço Paris, é a minha terceira vez, mas meus amigos ainda não. É sempre bom voltar porque deixei muitos lugares legais de fora dos roteiros anteriores.
Das doze horas de viagem, passaram mais da metade numa conversa só, que abordou trabalho, amigos, filmes, música e família, intercalada com alguns momentos de cochilo no ombro vizinho. Já amanheceu, tinham acabado de tomar o café-da-manhã e se aproximava a hora de pousar. As nuvens de algodão em breve passariam pela janela anunciando a chegada, mas Paula estava tensa, pois não sabia como João iria reagir dessa vez. Posso te ajudar de alguma maneira? Você me daria sua mão? Claro, já dei o braço inteiro da outra vez, né?
A forma como segurava sua mão era tão especial, como se fosse uma jóia. Fechou os olhos para sua concentração e só pensou em coisas boas e positivas, que iam lhe acalmando, controlando sua respiração ofegante, lhe trazendo paz. Quando o avião tocou o chão, sentiram um solavanco normal da freada, mas ele não se abalou, como se sob meditação ou hipnose. Aquela pele fina, aquele perfume envolvente, aquela capacidade de só falar coisas inteligentes e interessantes afastavam qualquer sinal de ansiedade. Quando poderemos nos ver de novo? Não sei, podemos nos encontrar em algum dia, fazer um programa. O que acha? Acho que pela primeira vez vou subir na Torre Eiffel, vou gostar e se depender de mim, não desço mais.

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