quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Para você que ainda não nasceu
Para você que ainda não nasceu,
Te desejo muita força ao romper esse ventre macio e acolhedor para chorar seu primeiro respiro. Preciso te adiantar que a vida não é bonita nem feia. Não se desespere se não me vir ao seu lado, não tenha medo do que não conhece. Experimente e conquiste o que achar melhor. Não desista na primeira vez, e principalmente, não desista antes de tentar. Imprima ao seu redor a coragem dos seus olhos e a urgência da sua sede.
Não posso te garantir uma saúde perfeita, nem uma infância tranquila. Não posso te garantir um jardim com flores. Não posso te garantir um boletim azul e popularidade na escola. Não posso te garantir um amor longo e sincero. Seu destino te aguarda e estarei com você. Confie e lute.
Ainda não escolhi seu nome, mas te abençôo. Lanço no céu sua estrela. Corra e vá buscá-la.
Muitos beijos,
Mamãe
Rio de Janeiro, 05 de Novembro de 2012
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Passando de fase
Quanto mais ela dizia que o amava, que tinha certeza que queria ficar com ele, que poderia mudar, que tinha muitas saudades e não via a hora de voltar para a sua vida, mais ele franzia as sombrancelhas, lançava um olhar gélido e ensaiava com um sorriso sarcástico.
- Essa é boa! Isso só pode ser uma piada de mau gosto, como tudo o que faz! Mônica, foi você que quiz assim. Você estava muito decidida quando bateu aquela porta e me deixou com os gêmeos dizendo que tinha que viver sua vida, que estava apaixonada. Tinha dúvidas sobre a nossa relação, estava confusa, que não sabia se me via mais como amigo do que como marido. Começamos a namorar muito novos, eu sei, mas isso eu não suportei. Você me humilhou demais! E eu estou vivendo a minha vida, ora, muito bem sem você. Aliás, eles também. Nos primeiros meses dizia para eles que estava viajando e já tem algumas semanas que não perguntaram mais por você. Estão muito bem adaptados à nova babá, irão começar na escola nova na próxima semana e estão se entendendo bem com a Fê.
- Quem?
- Fernanda, minha namorada. Estamos juntos há dois meses e estou muito feliz. É o amor da minha vida, não podia ter encontrado uma mulher mais especial. É inteligente, sensível, bonita, além de ser advogada, antropóloga, socióloga, engajada em causas sócias, defensora dos direitos humanos e dos animais.
- Nossa... não sabia. Mas está me parecendo um pouco forçada essa coisa de defender todos os fracos e oprimidos do mundo! Se você está feliz, só me resta te desejar boa sorte. Não quero atrapalhar seus planos, só quero seu bem. Mas fique atento, não faça com ela o que às vezes fazia comigo. Vou continuar te amando, e de longe, te seguindo. Só te peço para me deixar vê-los.
- Não me venha com falsidades, Mônica. Eu não deveria, mas vou fazer isso por eles. Sábado estarão te esperando às dez. Meu advogado entrará em contato para vermos a papelada.
Seis meses depois, Eduardo se casa com Fernanda. O cotidiano não era tão maravilhoso quanto parecia e o casal após um ano começa a ter problemas. Ele não tira Mônica da cabeça, apesar de não aceitar esse sentimento. Não conseguiu perdoá-la. Por que ela fez aquilo mesmo o amando? Não teve cuidado com ele, o deixou para trás a troco de quê? Que fantasia é essa da felicidade? Ele sabia que a paixão que o separou de Mônica não duraria, e que ela, apesar de tudo, ainda o amava. Ele era feliz ao lado dela, era o homem mais feliz do mundo e não sabia. Não sabia porque não olhava para o lado. Como seria sua vida se tivesse engolido seu orgulho e a aceitado de volta? Conseguiria passar uma borracha no passado e recomeçar? Conseguiria confiar nela de novo?
Os gêmeos riem alto, entram no quarto com pressa e tropeçam no sapato que estava no meio do caminho. Levam uma bronca de Fernanda, que não tem paciência e grita para baterem antes de entrar. Eduardo olhava para a tevê fixamente, com o copo de uísque na mão.
- Pai, pode consertar o video-game? Deu problema mais uma vez e já estávamos quase zerando o jogo.
- Papai já vai. Estou tentando zerar um jogo aqui também, mas não consigo passar de fase.
domingo, 20 de maio de 2012
O moita
O moita não desce do muro, fica a espreita. Pensa estar confortável, pois ninguém o vê. Por que não desce e corre no gramado? Porque não pula de uma vez pega a seda do varal? Por que não grita e pede ajuda? Por que não goza?
Falta-lhe coragem para a ação. Ameaça, mas o medo do incerto prende-lhe a respiração. Até quando vai ficar ali? Não fala, prefere mandar mensagens. Alguém o entende? Alguém o leva a sério?
Não consegue realizar nem desistir. Não sai da inércia em que está até vir um vento forte e derrubar o pobre voyer lá de cima. Pode sofrer arranhões, mas a cabeça dura continuará intacta.
terça-feira, 8 de maio de 2012
Dois em um
De onde surgiu
Quando convidou
Se queria, por que não aceitou
Curiosa, voltou atrás
Insiste, mas finge que não
Carente e sincero rapaz
Flores e chocolates duvidosos
São o prelúdio da desilusão
A esperança de entender
Supera o lamento de perceber
O que no início já estava claro
Desista, mulher
Que o de dentro não comunica com o de fora
Nem o corpo deixa a alma aflorar
O que parece simples,
Simplesmente não sabe o que quer
terça-feira, 1 de maio de 2012
Algo de diferente
Queria ir para um outro planeta, experimentar um outro mundo. Escolhi o ponto mais distante possível, e também o mais seguro, de maneira que me sentisse em casa. Tudo em família, seja de sangue ou de consideração, minha nova realidade me dava a garantia que tudo ia correr bem.
A diferença era gritante não apenas nos olhos repuxados, silhuetas retas ou pele alva. Tímidos ou reprimidos, concentrados ou disciplinados, sorridentes ou simpáticos. Antes de tudo solitários. As características se confundem no meio da multidão apressada que... vai pra onde afinal? Mandam recados para quem não tem coragem de se declarar, conversam com quem não tem tempo de se encontrar, vêem nos quadrinhos o sexo que gostariam de fazer, mas não têm iniciativa. Porque levantam cedo e chegam tarde depois do happy hour do trabalho, cheirando a álcool destilado, cambaleando e caindo pelas estações de metro até chegar em casa.
O que vejo é um trabalho incansável para reconstruir um país inteiro mais uma vez. Limpam, planejam, organizam, racionam, escolhem. Têm orgulho do resultado, do passado, das conquistas. Após um período para se acostumar com a rigidez, de certa forma, gosto dos quadrados, antes círculos para mim. Garantia de direitos e deveres individuais para a convivência pacífica das pessoas.
A combinação de sabores e texturas me encanta. O doce se mescla ao salgado, o quente é invertido com o frio, o picante brinca com o doce e o suave zomba do fibroso. Mais leveza na digestão, mais tempo para meditar. A aparência define e permite ousar criando bonecas-humanas, homens andróginos e rebeldes de causa. As flores garantem um aroma doce nos jardins, com grupos de amigos reunidos, comendo, bebendo e celebrando. As duas semanas mais esperadas do ano. E agora entendo porque fotografam tanto. Porque tudo é lindo, nada mais justo. Música clássica ou bossa nova para compor o ambiente e relaxar a alma aflita. Não se tocam, pois o respeito castrador fala mais alto, como se fosse incomodar a todo momento. E Timidamente, dançam, lutam, rezam. Se integram com a natureza de maneira harmônica e respeitosa.... até a segunda página, aquela da pesca predatória. Porque sim, nem tudo é tão bom e saudável. Nos jogos de azar, tristemente perdem um pouco da alegria da vida.
E eu, que tinha acabado de chegar, fico saudosa de partir e feliz por ter vindo. Mas a sensação é que viajei para um tempo distinto do meu, por vezes passado, outras futuro, e que a nossa sociedade caminha para esse lugar incerto de ocupadas pessoas solitárias, mas de uma maneira um pouco diferente.
quarta-feira, 21 de março de 2012
Essa noite não
Larissa começou a perceber que alguma coisa não estava bem quando notava um tédio semanal ao deixar o trabalho no início da noite sexta-feira. Apesar do cansaço, preferia estar novamente começando a semana, quando já tinha sua agenda cheia de compromissos, logo, não precisava pensar no que fazer. Então ela teria pouco mais de 48 longas horas para desfrutar da companhia de seu noivo Antônio.
Ela, exímia dançarina, antes de conhecê-lo era facilmente encontrada em salões de gafieira e rodas de samba. No carnaval então se perdia numa infinidade de blocos que a cada ano se expandia na Zona Sul do Rio de Janeiro. Por ironia do destino foi se apaixonar logo por Antônio, rapaz bem afeiçoado e muito comunicativo que conhecera no escritório.
Ele gostava muito de música também, mas tinha lá suas peculiaridades. Não reconhecia direitos autorais, por isso, quando queria alguma música, baixava da internet a discografia dos seus grupos favoritos. Seu desktop era abarrotado de todos os estilos musicais possíveis. Não entendia por que a moça vez em quando vinha com a idéia descabida de sair para uma festa ou show, se tinha a obra completa do artista à sua disposição! Por definição era um amante da música indoor, e se orgulhava disso. Apesar do grande arquivo, buscava incessantemente músicos desconhecidos e ritmo pouco usuais, como se feitos exclusivamente para ele, e que por conseqüência, só a ele agradavam.
Pois bem, a questão é que não só queria exclusividade nas músicas, mas também no pensamento de Larissa, já que no coração já sabia ser o único proprietário. Trabalhavam juntos, passavam quase todas as noites juntos, viajavam juntos, mas ele parecia nunca estar satisfeito. Discutiam quando Larissa atendia ligações de amigas na frente dele e também quando saía com amigos da faculdade sem avisar.
Não gostava da maioria dos seus amigos, muito infantis e perdidos, não sabiam nada da vida, como ele, um advogado experiente. Os aniversários se transformavam em torturas pois oscilavam entre o estado de mudez constante ou a implicâncias injustas e constrangedoras. O casal mês a mês ia se isolando e criando seus próprios rituais. Finais de semana se resumiam a cinema e barzinho, nesta ordem ou ao contrário. Praia era evento raro e tinha de ser no ponto mais deserto para que não corresse o risco de encontrar algum conhecido para conversar. Antônio buscava ter cem por cento da atenção de Larissa, não era exatamente medo de perdê-la, pois isso sabia que nunca aconteceria, mas era como se estivesse na busca eterna de preencher o enorme vazio do seu peito.
E ela, o que faria com o vazio do seu próprio peito? Aos poucos foi descobrindo que ela também tinha o seu e que Antônio, com todas as suas teorias de mundo e inflexibilidades não daria conta de suprir. Na verdade, não conseguiria reunir todos os cacos de suas inseguranças, desejos e frustrações e jogá-los no colo de ninguém. Ela mesma teria de reciclar aquele material precioso transformando-o em alguma coisa sua e bela.
Mas não essa noite. Ela estaciona o carro, ajeita o cabelo e vestido, aperta o botão do S101, desce as escadas escuras com cuidado carregando a mala do final-de-semana e espera gentilmente que ele abra a porta de madeira. Ele destranca a porta, a deixa entreaberta, e volta rapidamente para o computador.
No balanço
O menino saiu da escola sozinho na hora do recreio e foi para a praça. A inspetora falou que precisaria da autorização dos pais, mas ele alegou um imprevisto familiar. Não foi muito difícil de conseguir a liberação, afinal de contas não costumava faltar aulas e, apesar da aparência, ele já estava na sexta série. Fazia sol e as amendoeiras faziam um moteado de sombras. Apesar de ser dia de semana, algumas crianças brincavam e carrinhos de bebês estavam estacionados de frente para o parquinho. Próximo a uma árvore, deixou sua mochila, camisa do uniforme e tênis, ficando apenas com uma bermuda amarela, presente da avó.
Nesse dia, o menino estava incrivelmente triste. Não queria conversar com ninguém, não queria fazer nada. Pensava na sua vida e o que fazer com ela. Não eram pansamentos de gente da sua idade, mas como era precoce em quase tudo, refletiu, não haveria de ser um problema. Seu pai deixou sua mãe com dois filhos ainda pequenos, e desde que se lembra, nunca foi um exemplo de provedor. Pelo contrário. Como seu pai precisava se encontrar, decidira fazer um curso nos Estados Unidos, e para se manter lá gastava muito. Não tinha como mandar um fixo para a ex-mulher e filhos. A vida vai passando, até que ele resolve voltar.
E o faz com um sorriso nos lábios e uma gringa a tira-colo. Ele não engole a branca-azeda e não se esforça em ser simpático. Sua mãe nunca superou o trauma do abandono, e seu irmão já esteve internado diversas vezes por problemas de saúde. Uma coisa ele aprendeu cedo: não podia contar com ninguém. Outra conclusão difícil de se tirar tão jovem, ainda mais quando se ama os demais.
Essa noite era o jantar com todos dessa família moderna e ele não queria ir. Melhor seria se ficasse jogando vídeo-game a noite inteira até cair por cima das almofadas no chão da sala. O que ele poderia fazer para evitar esse encontro desagradável? Sabia que seria uma situação incômoda para todos. Um velho que jogava dama na mesa da praça percebeu que ele não brincava com as outras crianças e com um brilho nos olhos deduziu: poeta!
O menino sentou no balanço, e pegando impulso com as pernas. No início lento, como quem não quer nada, mas depois foi pegando cada vez mais impulso e gostava do vento refrescando seu rosto. Foi tentando chegar à máxim altura possível. Tudo ao seu redor estava fora de foco e nada mais eram que riscos coloridos. A velocidade do balanço ele fazia com que a realidade em sua volta se tornasse sem importância. Sua vida seria congelada naquele instante. Foi quando, então, ele passou a jogar seu corpo para um lado e para outro, fazendo as correntes se cruzarem até ele tocar os pés de volta ao chão.
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