Sou primeira. Sou primeira porque é o surdo marcador, surdo de base. Ele é fundamental, determina a levada de toda a bateria e é o coração do samba. Pulsa grave e forte e leva consigo uma multidão de alegres foliões.
Antes de começar, faço o alongamento necessário para suportar o enorme tambor. Visto o talabarte curto e escarlate e o ajusto em minha cintura. Sinto todo o peso e responsabilidade da bateria em minha lombar. Uma nota errada põe tudo a perder. Concentração!
Em uma mão a maceta, com seu feltro já gasto de tanto castigar o tímpano cansado, na outra nada, livre. Esta abafa o couro tremedor e faz o contraponto. Tum-bin, tum-bin, tum-bin. Pedi pra parar, parou!
É uma questão de ritmo que segue até a convenção. Para então acelerar o compasso em uma espécie de taquicardia sonora, impulsionando o sangue que, nas veias, estava calmo e tranqüilo, como um rio de águas barrentas desembocando no mar. Temos agora uma pororoca musical energizante e revolucionária.
Não tampo meus ouvidos. Estão completamente abertos, assim como meu peito, que vibra junto com a potente membrana cilíndrica. Remete- nos às civilizações mais primitivas e é a minha rudimentar maneira de comunicação, me deixa em estado de graça e permite que eu exponha meu núcleo hermético, neutro e frágil.
Pulso sincronizada com os demais surdos, segunda e terceira, nesta harmônica família percussionista. Eles respondem, cortam e provocam o primeira, que mantém a cadência principal e não se deixa levar.
Há diálogo também com os outros naipes, mas nenhum instrumento é como ele. Tamborim, agogô e rocar são exemplos da beleza do samba. Mas neste momento, eu dispenso a beleza e quero a identidade! Despeço-me disso tudo sem desilusão. Apenas não faz mais sentido. É indispensável! Preciso sentir a essência do samba em sua batida mais pura, a batida primeira.
Rio de Janeiro, 24 de Agosto de 2009
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